domingo, 25 de março de 2012

No Vale do Paraibuna e adjacências...


Então...  Aqui no Vale do Paraibuna, desperto em pleno 2012º Ano da Graça e bissexto por demais e aí ...
De repente... 58! I  
     Então... 2012º Ano da Graça e faz pouquíssimos anos que nasci na Santa Casa da Misericórdia, aqui nesta cidade do Vale do Paraibuna... De mãe negra “mina”¹ e mineira (Celina) e de pai imigrante italiano “calabrês”² (Gurino). Como toda  a gente que nasce da diversidade, vim apressada e cheguei com gana de viver e cheia de desafio pra vencer... 
    Há pouquíssimos anos, eu descia de cócoras uma certa escadaria que havia então entre a Av. do Olegário e a Rua do Padroeiro*!  Só pra encontrar com meu pai que era lenhador- jornaleiro e minha mãe, que era cozinheira de família tradicional desta JF... 
    Fazem pouquíssimos semestres que eu fui morar, com ela e meu irmão no antigo nº 24, na parte baixa da  Rua do Floriano*, num sobrado onde embaixo ficava a Casa Magaldi,*¹ - um  botequim que também era empório. Lá minha mãe, que era a empregada, se tornou companheira e depois sócia do dono. Há pouquíssimos meses que eu lia a Cartilha da Lili, As Mais Belas Histórias, e memorizava poemas de Castro Alves, Gonçalves Dias, Olavo Bilac e Cecília Meireles*². Lá eu ouvia Príncipe Igor de Borodin, Allegro com Spírito de Mozart, Gymnopedie de Satie, Noturno de Chopin, Sonata ao Luar de Beethoven músicas para ouvir e sonhar*³. Isto sem contar os Programas do César de Alencar, do Manoel Barcelos e Paulo Gracindo **¹... Estes primores misturados a outros que eu ouvia nos batuque dos negros das Paineiras*, os calangos e sambas de roda na casa de parentes que moravam na Serrinha* ecoam até hoje na minha alma da tez brasileira... E ainda tinha a convivência com os alemães do São Vicente*. 
    Aí de repente o Sr. José Magaldi, meu primeiro padrasto e pai intelectual, faleceu deixando muita saudade e de novo uma reviravolta na vida de Celina e filhos... Fazem pouquíssimos semestres que um Golpe Militar quis silenciar os gritos dos indignados  e o canto do povo  do Brasil, do séc. XX.  Muitos deles desapareceram e muitas Marias, Zuzus Angels e Clarices **² ainda buscam seus amores perdidos nas tramas da tirania moderna... 
    ─ Mas tirando isso, sua infância foi um mar de rosas, não é? – diria a Sra. Nem tanto! Não! 
    Cara senhora e caros (as) leitores (as), eu só contei a parte multicolorida. De azul cinzento ou amarelado me basta o céu... E como parece que vai chover, o resto eu conto depois!
“1 – negra mina – um dos tipos de negros apontados como característico das Minas Gerais durante o período colonial, na obra “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freyre;
“2 – calabrês – típico imigrante italiano, da Calábria, na região Sul da Itália;
*- Avenida Olegário Maciel, Rua Santo Antonio (centro de JF); Paineiras (bairro central onde predominava a população negra nascida na cidade); Rua Floriano Peixoto, cuja parte baixa era considerada o início da Zona Boêmia da cidade; São Vicente, atual Borboleta, uma das antigas colônias alemãs em JF; Serrinha, atual Dom Bosco, bairro que se originou de remanescentes de quilombo mais os recém-chegados grupos de êxodo rural pós-república;
*¹ - Casa Irmãos Magaldi Ltda. – estabelecimento típico da época, gerido por um imigrante italiano do grupo milanês de JF e mais dois alemães da família Habel.
*² - Livros, métodos e autores correntes nas escolas estaduais de JF nos anos 60;
*³ - Autores e obras clássicas mais conhecidas pela classe média de JF, nos meados do séc. XX.
**¹ - programa de auditório de maior audiência, César de Alencar, na extinta Rádio Nacional do Rio de Janeiro, onde se apresentavam os mais renomados artistas da MPB de então.
**2 – Referência a mães, noivas e esposas das vítimas das torturas e assassinatos cometidos pela ditadura militar (décadas de 60 e 70).

Então...  Aqui no Vale do Paraibuna, desperto em pleno 2012º Ano da Graça... Lembra? E em pleno março bissexto por demais e aí...
De repente... 58! II
     E aí então...  Fazem pouquíssimos trimestres que fui morar definitivamente na Serrinha tanto na de baixo como na de cima... E de lá eu descia a pé pra a Escola Normal*, onde continuei estudando até concluir o Curso de Normalista. 
     Fazem pouquíssimos bimestres que eu atuava no teatro amador do Sindicato Têxtil, na companhia de Tia Zuzu*¹ em JF e o momento mais esperado era quando Marisa, meu personagem recitava um poema em homenagem aos pracinhas mortos na 2ª Guerra Mundial e à Bandeira Nacional. E depois que o público estava bem atento, a gente levava uns esquetes que eram subversão pura e sub-liminar. Era a Ditadura Militar impondo seus modelos de civismo e patriotismo, e era a gente se fingindo de quietinho e aprontando, entre as cortinas. Acho que foi que aí que aprendemos a falar por figuras senhas, só ouvir música estrangeira e a ter dificuldade em nos reconhecer...  
     E de repente... 18! Aí então... Fazem pouquíssimos meses que ousei e consegui passar no vestibular da UFJF*³, num tempo que nem se pensava em inclusão e, que mesmo com a tal da democratização do ensino, nós – negros, pardos e pobre - não sonhávamos nem em passar pela entrada sul  desta universidade.  
    Fazem pouquíssimos meses em que precisei voltar a trabalhar e então pisei na minha primeira sala de aula oficial, no Mobral*². Fazem pouquíssimos anos que eu me tornei uma espécie de esperança, sonho ou plano de justiça para a família, a classe e a etnia e de me emancipar pra ser mulher... Era muita carga de esperança nos ombros frágeis dos filhos e filhas do proletariado e dos excluídos... 
    ─ Ah... Que é isso? Vc. está chorando de barriga cheia... Sua vida era uma maravilha... – diria a Sra. Nem tanto! 
     Não, cara senhora e caros (as) leitores (as), é que eu só contei a parte vermelho vibrante militante de minha juventude que de cinza amarelado e alienado me bastam estas nuvens que fingem que vai chover...
*- Escola Normal ou Instituto Estadual de Educação, escola que oferecia ginásio (hoje do 6º ao 9º ano do Ens. Fundamental) e o antigo Curso e Normalista (hoje Magistério – Ens. Médio);
*¹ - Tia Zuzu – Apelido de Bruna Damascena, produtora cultural que atuou entre as décadas de 50 e 70 em JF, através de programa de rádio e um grupo de teatro amador, que se apresentava principalmente no Sindicato Têxtil de então, ela promovia cultura popular e consciente.
 *2 – Mobral – Movimento Brasileiro de Alfabetização, no regime militar, entre anos 60 e 70, onde monitores faziam o papel de professor e ganhavam por freqüência de aluno.
*3 – Universidade Federal de Juiz de Fora - criada em 1960, teve o seu 1º campus fundado em 1972 no bairro Martelos, com duas entradas: uma entre atual bairro Dom Bosco e o Cascatinha e outra em São Pedro.

Então...  Aqui no Vale do Paraibuna, desperto em pleno 2012º Ano da Graça.  Lembra... Em pleno março.  Lembra?...  E numa 3ª semana e de um começo de outono bissexto por demais e aí...
  
De repente... 58! III
     E aí então... De repente fazem pouquíssimas quinzenas de outono em que eu dividia meu tempo entre as minhas salas de aula, o curso de Letras na Federal, movimento estudantil e atividades na juventude e evangelização dos centros espíritas kardecistas* de JF. Nessa época, eu recebia lições de obediência à Lei de Deus, amor ao próximo, e já amava Jesus. E de repente, conheci o rapaz que seria meu noivo e por causa dele, fui morar no Rio... 
     E fazem pouquíssimas quinzenas que fui me adaptar à cidade grande e pensei estar me aliviando da carga de moça estudiosa e trabalhadeira... Larguei tudo e me mandei para o então agradável balneário de São Sebastião do RJ, na então menos poluída Baía da Guanabara.** 
    Fazem pouquíssimas semanas que não me casei e que também abandonei o Caminho*¹. Eu queria viver a vida com meu próprio fôlego e com outros recursos. Aí me misturei aos retirantes do NO e NE, visitantes do AM e PI, às papa-goiabas do ES e aos come-quietos de MG*². 
     “De repente não mais que de repente”¹, 28. E eu tinha sido camelô, feirante, trainée de operações editoriais, contato de publicidade e de novo, professora... Fazem pouquíssimas semanas que rasgava aquela cidade da Zona Norte à Zona Sul, que eu me mudava de ano em ano de trabalho, de casa, de bairro e de namorado...  Eu também mudava de estilo! Ora elegante ora “ahippieada". Ora “reggae” 0ra “blues. Ora “light” ora  “heavy”²...  Li desde literatura de cordel , passando por ideogramas chineses a doutrina budista e crenças afrobrasileiras, passando por auto-ajuda e esoterismo. Li feministas, existencialistas, marxistas. Curti Drummond e Stanley Jordan*2. Participei do “diretas já”  e de todas as manifestações entre a Cinelândia e Candelária.  Assisti a ensaios de escola de samba a concertos no Municipal!!! 
    De repente, eu me vi morando na Ilha do Governador e lá de novo um revertério na vida da brasileira de JF.
     ─ Huum! Não tô vendo nada demais – diria a Sra. Nem tanto – Um monte de gente fez isso nos anos 80. Sim, caros (as) leitores (as), muita gente mesmo! 
     E de repente... eu era apenas mais uma, como esse urubu que tá circulando ali, naquelas pedras, anunciando uma certa chuva...  
*- referência ao espiritismo cristão kardecista, baseado na codificação doas Evangelhos, por Alan Kardec;
** - referência ao primeiro nome da cidade do Rio de Janeiro e às condições da atual Baía da Guanabara;
*¹ - Referência a “... Eu sou o caminho a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai se não por mim” JOÃO 14:6;
*² - Referência a migração de uma considerável porcentagem da população de outros estados do Brasil para o Rio de Janeiro;
*³ - Carlos Drummond de Andrade - escritor e poeta brasileiro (1902/1987), Stanley Jordan – músico e guitarrista norte americano (1959).
“¹ – Paráfrase de versos de Vinícius de Moraes, poeta brasileiro (1913/1980);
“² - Referências a movimentos comportamentais e artístico-musicais das décadas 70 e 80;

Então...  Aqui no Vale do Paraibuna, desperto em pleno 2012º Ano da Graça. Lembra?...Em pleno março de uma 3ª semana e de um começo de outono esquisito e de sábado bissexto por demais e aí...
De repente... 58! IV    
    Aí... Então de repente... 38! E fazem pouquíssimos dias, que eu estava morando na Ilha do Governador*, conheci o pai de minha filha, com quem vivi o melhor sonho de amor e também aprendi, na prática, “que um sonho sonhado sozinho é um sonho”¹! E descobri na gravidez de minha filha Ísis, o valor das grandes amizades que não me desampararam neste desafio... E aí então de repente... Eu estava num ônibus, na União Indústria, rumo RJ/JF,** outra vez definitivamente...  
    Fazem pouquíssimas horas que voltei à terra natal, com uma menina nos braços e muitos sonhos e planos não cumpridos... Uma mulher brasileira voltando pra mais uma luta, escolha feita por amor... Enfim que tinha optado a criar minha filha com dignidade com possibilidade de felicidade pras duas...  
     Não... Querido (a) leitor(a)! Não acaba aqui... Ainda falta contar que fazem pouquíssimos minutos que morei num bairro que tinha sido invasão, que trabalhei em escolas do ensino público na Zona Norte, que voltei a passar no Vestibular e completei meu curso de Letras na Federal, que minha filha cresceu e conheci o Juca...   
    Fazem pouquíssimos segundos que, depois de tanta luta com minhas próprias forças, finalmente abandonei a trilha escarpada em que me consumia e voltei para casa do Pai, pelo Caminho ”². Em certo sábado, entrei pela 1ª vez numa Igreja evangélica e entreguei a minha vida a Jesus – o Maravilhoso -  Meu Resgatador e Autor da Minha Fé...  
    E fazem centésimos de um segundo que eu comecei a sonhar  de novo os sonhos junto e vi ,na Presença de Deus, se tornarem realidade: uma mulher no governo deste país, ditadores caindo aos montes, mudanças pequenas na vida da minha família e do meu povo - mas mudanças! Minha filha na faculdade e meu marido dizendo que também vai voltar para os braços de Deus,  o meu livro de poesia em fase de produção... 
    Ah... Antes de terminar, fazem milésimos segundos que despertei neste 24 de março deste 2012º Ano da Graça, de outono esquisito quase bissexto quase apocalíptico, que ganhei beijinhos da filhota e do  marido e me dei conta:
    ─ De repente 58! Uau! ... 
    ─Huum! E a parte cinza, a ruim... – intervém a Sra. Nem tanto - Eu quero saber do que não deu certo, pra depois de uns toques pra dar um upgrade na sua vida.
     Não, caros (as) leitores (as), não dêem ouvidos a essa criatura! Upgrade na minha vida ,quem dá em Deus! Não foi assim mesmo tão cor-de-rosa e de experiências fantásticas... Mas quem disse que o cinza não é uma cor feliz. Uai! Depende né... Eu só falei do que era róseo porque o céu desta cidade, neste outono esquisito, não sabe se é azul, cinza ou amarelo- chumbo, e eu queria dar umas pinceladas nele, em tons amenos, antes que comece a chover... 
  ─ Mas eu quero saber da parte cinza-chumbo total! – insiste de novo a Sra. Nem tanto! 
  ─  Huuummm♪♪ Lá-rá-lá-rá-lá! Mais que canção linda esta... “Além do Véu!”
   Ah! Então... A  parte cinza só vou contar para testemunhar revolução que o Deus Pai, Filho e Espírito Santo fez em minha vida... Mas vai ser num outro dia porque agora tenho que agradecer as mensagens dos amigos e degustar um delicioso bacalhau à moda... 
    Ah!...A filhinha., que agora está com quase 20 anos, vai cozinhar hoje o seu 1º prato especial pra mamãe e estrear na arte de fazer de um nada, um  motivo de grande alegria...
*- Referência a ilha, onde ficam alguns bairros da Zona Norte do Rio de Janeiro;
** - Primeira rodovia brasileira macadamizada (1858) no traçado do Caminho Novo, entre Petrópolis e Juiz de Fora, atual trecho da BR040;
“¹ – Referência à frase de Raul Seixas, pensador, poeta e músico (1945 -1989);
“²- Referência a  “ ...Eu sou o Caminho a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai se não por mim”. JOÃO 14:6;
- “Além do Véu”, canção gospel, na interpretação de Tino.
                      Izabel Cristina Dutra, escrito em JF, entre os dias 23 e 25/03/2012. 
 






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