E aí março tinha chegado ao fim... Abril não tardou! Todo trabalhado nos tons de
um outono bissexto, nos feriadões e na tal enchente das goiabas. Aí veio a Semana Santa, a Páscoa e a folga pra
uns e plantão pra outros. Agora com
abril instalado no Vale do Paraibuna e adjacências, com a chuva chovendo metade
do bairro sim e a outra metade não, eu tava lá indo ao Posto de Saúde, para
aviar uma receita e Eles também tavam indo... Eles e a Mãe! Eles quem?...
Os decifradores de enigmas da natureza I
(e também da língua
portuguesa...)
Então...
Pra vc. que tá chegando do feriadão e não vai nem desfazer as malas, porque vem
aí um feriadinho... Pra vc. que ficou ficando e talvez fique outra vez pq ň tem
nem tpo nem $... Pra vc.s, eu vou contar:
Pois é... De repente março... De
repente 58!* E “de repente não mais que de repente”¹, eis que na terra e no céu, “as cores de abril”¹ , “as flores de abril”¹ e tudo de abril trabalhado
nos tons desse outono bissexto, e com algumas casas e coisas indo correnteza,
abaixo na enchente das goiabas.
Aí eu
tava indo ao Posto de Saúde, que fica na metade que estava chovendo e Eles
também tavam indo, com a mãe, na mesma direção... Eles? Aqueles meninos que
surfam na grama da praça, em qualquer feriado ou qualquer dia de trampo... E
que decifram símbolos, sinais, qualquer enigma da natureza em qualquer
estação...
Eles me cumprimentaram com um
sorriso.
─ Quem é essa dona? – pergunta a Mãe.
─ E a pressessora da bliblioteca
da escola – responde Irmão Mais Novo.
─ É pro-fes-ssso-raaa! Bi-bllii-ooo-teca,
seu burro! – retruca Irmão Mais Velho.
─ Ah... Já sei... – acrescentou a Mãe,
correndo os olhos em mim, rapidinho...
Como eu tinha que ficar na fila da
farmácia e eles na fila das vacinas, o debate foi adiado por uns longos 30
minutinhos e meio.
Pra mim, só o
aborrecimento de saber que os remédios mais caros não foram enviados,
neste mês. Mais uma despesinha-extra e o salário, oh!...** E como alguns “não
querem saber de dor”¹, teve enfermeira correndo atrás de criancinha gritando
que não queria ser espetado.
─ Mas é só uma picadinha!... dizia a moça, sem
convicção.
Na saída, tava chovendo na outra metade do bairro. Mesmo assim, vou
devagarzinho por causa da lama que escorre da praça. E Eles vieram logo atrás..
Eles? Irmão mais Velho, Irmão mais novo e a Mãe com toda pressa do mundo.
Quando
passaram por mim, a Mãe tava ralhando com o mais novo por conta do mico, na
hora de vacinar. Ela desacelerou, me cumprimentou, e indagou:
─ A senhora não tá mais lá na escola?
Explico
pra ela que estou de licença-saúde, que se eu não aposentar agora, talvez volte
por uns tempos. Ela quis saber por que eu estava usando apoio. Expliquei e até
falei o nome do problema. Um nome chique de doer e dói mesmo: polineuropatia
periférica de razão axonal!
─ Credo! Isto é doença de rico!
─ Pois é! Não podia
ser uma lodorsezinha?
Rimos as duas, numa intimidade que só as mães têm!
Enquanto isso, os meninos corriam e chutavam poças d’ água e a Mãe intercalava
perguntas e respostas, com advertências:
─ Se chegar em casa com roupa suja de
barro, vou botar pra lavar... E pode parar aí que eh vem carro aí!
Neste ponto
tivemos que suspender a conversa, para atravessar a minha rua, que é bem
movimentada principalmente na 2ª feira, quando instrutores, alunos e
examinadores aportam aqui para os testes! Aí... Enquanto não engrossam os engarrafamentos
do centro dessa cidade-vale, eles ficam aqui alterando “o silêncio dentro do
silêncio”² do nosso bairro. Embora lá atravessar com cautela...
E aí março tinha chegado ao fim... Abril não tardou! Lembra? Todo trabalhado nos
tons de um outono bissexto, nos feriadões e na tal enchente das goiabas. Lembra? Aí veio a Semana Santa, a Páscoa e, a
folga pra uns e plantão pra outros. Lembra! Agora com abril instalado, e a
chuva chovendo metade do bairro sim e a outra metade não. Eu tava lá voltando
Posto de Saúde, onde tinha ido aviar um receita
e Eles também tavam voltando
também. Eu e Eles tínhamos parado na
esquina da minha rua e atravessamos com cautela. Eu,Eles e a Mãe! Eles quem?...
Os decifradores de enigmas da natureza II
(e também da
língua portuguesa...)
Pois é... Então... Pra vc. que tava chegando
do feriadão e não vai nem desfazer as malas, porque eh vem aí mais um
feriadinho... Pra vc. que ficou ficando e talvez fique outra vez pq ň tem nem
tpo nem $... Pra vc. s, eu tava contando:
Pois é... De repente março... De
repente 58!* E “de repente não mais que de repente”¹, eis que na terra e nos
céus, “as cores de abril”¹, “as flores de abril”¹ e tudo de abril trabalhado
nos tons desse outono bissexto, e com algumas casas e coisas indo correnteza, abaixo
na enchente das goiabas.
Aqui entre este Monte Castelo no vale do Paraibuna, eu
e Eles estávamos voltando do Posto de Saúde, lembra? Eles? Aqueles meninos que
surfam na grama da praça, em feriados, feriadinhos, feriadões e até em dia de
trampo.
A gente estava atravessando a minha rua, quando demos um tempo na
conversa para não colidirmos com mais de sete carros de auto-escola cercados de
gente de dentro do DETRAN e gente de fora chorando porque passar nestes exames
de direção é mais difícil que um “camelo passar no buraco de agulha” ***.
Do
outro lado, na outra esquina, a gente descobriu que só tava chovendo no meio,
em cima da gente e no povo dos testes. No mais, o céu se dividia em uma faixa
de cinza com amarelo e um com pinceladas de branco. Então,Eles iniciaram uma batalha
de cantilenas...
─ Soool com chuva, casamento de viúúúva!... – cantarolou Irmão Mais Novo!
─ Chuva com soool, casamento de espanhoool!... – esganiçou Irmão Mais Velho!
A Mãe deu paradeiro na cantoria, mas não conseguimos evitar um comentário sobre
este outono esquisito, com temporais e tudo mais. Aí Eles interviram novamente:
─ É o buraco na camada do Ozonho! – afirmou Irmão Mais Novo.
─ É buraco na
camada do Ozz-zzô-nii-yô, seu burrinho!
Então entrei na brincadeirinha:
─ Então o
O-zô-ni-yô deixa fazer buraco na camada dele e a gente que aguenta as consequências?
─ Não... É nós mermo que fez este buraco, poluindo tudo... – afirmou o
sabidinho Irmão Mais Novo...
─ É a gente que fizemos, seu burro! – consertou o
chato do Irmão Mais Velho.
Eu bem que desejei ser uma menininha banguelinha, de
sete anos, só pra retrucar:
─ Irmão de burrinho, burro é... é...!
Mas não
convinha nem dava tempo... Mãe retomou a pressa e nos despedimos. Eu fui
subindo em direção à minha casa e eles quebraram à direita pra casa deles.
Bem...
Parece que a manhã foi rendosa. Afinal, aprendi tudo sobre criança escapando da
vacinação; contribuição humana para este outono esquisito com sua
bissextuabilidade; e as diversas variantes do dialeto monte-castelano da
língua luso-brasileira.
Mas antes que eu
alcançasse o portão, uma mãozinha segurou a minha e ganhei um beijinho
estalidinho na palma esquerda:
─ Tiaah... Fica os anjinhos, tá bem? – sussurrou Irmão Mais Novo, e desceu correndo
porque Mãe já esganiçava lá na outra esquina:
─ Ô... Ade-yl-is-son.. Vamos
embora, mi-ni-no!
Foi com certeza uma manhã de outono bem movimentada! Inda por
cima, dou de cara com Dona Pardaloca se empanturrando de farelos de pão que
esqueci num pratinho em cima de mesa. Ela me olhou, depois revoou acintosamente
a cozinha e área e se foi, não antes de arriscar outra olhadela...
─ Aí,
humana! Fui!
Será que os anjinhos poderão me decifrar o enigma ou o ê-ni-gui- y-má desta
preferência alimentar quase suicida desses pássaros, aqui entre estes montes, no
Vale do Paraibuna?
* - Crônica da autora, postada em março/2012.
** - referência a bordão usado por Chico Anísio (in memorian)
*** - referência a texto bíblico.
" ¹ - referência a versos de canção da MPB do poeta de Vinícius de Moraes.
"² - referência a poema-título do livro "O silêncio dentro do silêncio" de Carlito Filho, morador do bairro Monte Castelo.
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