terça-feira, 10 de abril de 2012

Os decifradores de enigmas...


E aí março tinha chegado ao fim...  Abril não tardou! Todo trabalhado nos tons de um outono bissexto, nos feriadões e na tal enchente das goiabas.  Aí veio a Semana Santa, a Páscoa e a folga pra uns e plantão pra outros.  Agora com abril instalado no Vale do Paraibuna e adjacências, com a chuva chovendo metade do bairro sim e a outra metade não, eu tava lá indo ao Posto de Saúde, para aviar uma receita e Eles também tavam indo... Eles e a Mãe! Eles quem?...
Os decifradores de enigmas da natureza I 
(e também da língua portuguesa...) 
      Então... Pra vc. que tá chegando do feriadão e não vai nem desfazer as malas, porque vem aí um feriadinho... Pra vc. que ficou ficando e talvez fique outra vez pq ň tem nem tpo nem $... Pra vc.s, eu vou contar: 
     Pois é... De repente março... De repente 58!* E “de repente não mais que de repente”¹, eis que na terra e no céu, “as cores de abril”¹ , “as flores de abril”¹ e tudo de abril trabalhado nos tons desse outono bissexto, e com algumas casas e coisas indo correnteza, abaixo na enchente das goiabas.  
    Aí eu tava indo ao Posto de Saúde, que fica na metade que estava chovendo e Eles também tavam indo, com a mãe, na mesma direção... Eles? Aqueles meninos que surfam na grama da praça, em qualquer feriado ou qualquer dia de trampo... E que decifram símbolos, sinais, qualquer enigma da natureza em qualquer estação...  
    Eles me cumprimentaram com um sorriso. 
    ─ Quem é essa dona? – pergunta a Mãe. 
    ─ E a pressessora da bliblioteca da escola – responde Irmão Mais Novo. 
    ─ É pro-fes-ssso-raaa! Bi-bllii-ooo-teca, seu burro! – retruca Irmão Mais Velho. 
    ─ Ah... Já sei... – acrescentou a Mãe, correndo os olhos em mim, rapidinho... 
    Como eu tinha que ficar na fila da farmácia e eles na fila das vacinas, o debate foi adiado por uns longos 30 minutinhos e meio.  
    Pra mim, só o aborrecimento de saber que os remédios mais caros não foram enviados, neste mês. Mais uma despesinha-extra e o salário, oh!...** E como alguns “não querem saber de dor”¹, teve enfermeira correndo atrás de criancinha gritando que não queria ser espetado. 
    ─ Mas é só uma picadinha!... dizia a moça, sem convicção. 
    Na saída, tava chovendo na outra metade do bairro. Mesmo assim, vou devagarzinho por causa da lama que escorre da praça. E Eles vieram logo atrás.. Eles? Irmão mais Velho, Irmão mais novo e a Mãe com toda pressa do mundo. 
    Quando passaram por mim, a Mãe tava ralhando com o mais novo por conta do mico, na hora de vacinar. Ela desacelerou, me cumprimentou, e indagou:  
    ─ A senhora não tá mais lá na escola? 
    Explico pra ela que estou de licença-saúde, que se eu não aposentar agora, talvez volte por uns tempos. Ela quis saber por que eu estava usando apoio. Expliquei e até falei o nome do problema. Um nome chique de doer e dói mesmo: polineuropatia periférica de razão axonal!  
    ─ Credo! Isto é doença de rico! 
    ─ Pois é! Não podia ser uma lodorsezinha? 
    Rimos as duas, numa intimidade que só as mães têm! 
    Enquanto isso, os meninos corriam e chutavam poças d’ água e a Mãe intercalava perguntas e respostas, com advertências: 
    ─ Se chegar em casa com roupa suja de barro, vou botar pra lavar... E pode parar aí que eh vem carro aí! 
    Neste ponto tivemos que suspender a conversa, para atravessar a minha rua, que é bem movimentada principalmente na 2ª feira, quando instrutores, alunos e examinadores aportam aqui para os testes!  Aí... Enquanto não engrossam os engarrafamentos do centro dessa cidade-vale, eles ficam aqui alterando “o silêncio dentro do silêncio”² do nosso bairro. Embora lá atravessar com cautela...

E aí março tinha chegado ao fim...  Abril não tardou! Lembra? Todo trabalhado nos tons de um outono bissexto, nos feriadões e na tal enchente das goiabas.  Lembra? Aí veio a Semana Santa, a Páscoa e, a folga pra uns e plantão pra outros. Lembra! Agora com abril instalado, e a chuva chovendo metade do bairro sim e a outra metade não. Eu tava lá voltando Posto de Saúde, onde tinha ido aviar um receita  e Eles também  tavam voltando também.  Eu e Eles tínhamos parado na esquina da minha rua e atravessamos com cautela. Eu,Eles e a Mãe! Eles quem?...

Os decifradores de enigmas da natureza II 
(e também da língua portuguesa...)  
    Pois é... Então... Pra vc. que tava chegando do feriadão e não vai nem desfazer as malas, porque eh vem aí mais um feriadinho... Pra vc. que ficou ficando e talvez fique outra vez pq ň tem nem tpo nem $... Pra vc. s, eu tava contando: 
    Pois é... De repente março... De repente 58!* E “de repente não mais que de repente”¹, eis que na terra e nos céus, “as cores de abril”¹, “as flores de abril”¹ e tudo de abril trabalhado nos tons desse outono bissexto, e com algumas casas e coisas indo correnteza, abaixo na enchente das goiabas. 
    Aqui entre este Monte Castelo no vale do Paraibuna, eu e Eles estávamos voltando do Posto de Saúde, lembra? Eles? Aqueles meninos que surfam na grama da praça, em feriados, feriadinhos, feriadões e até em dia de trampo. 
   A gente estava atravessando a minha rua, quando demos um tempo na conversa para não colidirmos com mais de sete carros de auto-escola cercados de gente de dentro do DETRAN e gente de fora chorando porque passar nestes exames de direção é mais difícil que um “camelo passar no buraco de agulha” ***. 
    Do outro lado, na outra esquina, a gente descobriu que só tava chovendo no meio, em cima da gente e no povo dos testes. No mais, o céu se dividia em uma faixa de cinza com amarelo e um com pinceladas de branco.  Então,Eles iniciaram uma batalha de cantilenas...
    ─ Soool com chuva, casamento de viúúúva!... – cantarolou Irmão Mais Novo! 
    ─ Chuva com soool, casamento de espanhoool!... – esganiçou Irmão Mais Velho! 
   A  Mãe deu paradeiro na cantoria, mas não conseguimos evitar um comentário sobre este outono esquisito, com temporais e tudo mais. Aí Eles interviram novamente: 
    ─ É o buraco na camada do Ozonho! – afirmou Irmão Mais Novo. 
    ─ É buraco na camada do Ozz-zzô-nii-yô, seu burrinho!  
     Então entrei na brincadeirinha: 
    ─ Então o O-zô-ni-yô deixa fazer buraco na camada dele e a gente que aguenta as consequências? 
    ─ Não... É nós mermo que fez este buraco, poluindo tudo... – afirmou o sabidinho Irmão Mais Novo... 
    ─ É a gente que fizemos, seu burro! – consertou o chato do Irmão Mais Velho. 
    Eu bem que desejei ser uma menininha banguelinha, de sete anos, só pra retrucar: 
    ─ Irmão de burrinho, burro é... é...! 
    Mas não convinha nem dava tempo... Mãe retomou a pressa e nos despedimos. Eu fui subindo em direção à minha casa e eles quebraram à direita pra casa deles. 
    Bem... Parece que a manhã foi rendosa. Afinal, aprendi tudo sobre criança escapando da vacinação; contribuição humana para este outono esquisito com sua bissextuabilidade; e as diversas variantes do dialeto monte-castelano da língua  luso-brasileira. 
    Mas antes que eu alcançasse o portão, uma mãozinha segurou a minha e ganhei um beijinho estalidinho na palma esquerda: 
    ─  Tiaah... Fica os anjinhos, tá bem?  – sussurrou Irmão Mais Novo, e desceu correndo porque Mãe já esganiçava lá na outra esquina: 
    ─ Ô... Ade-yl-is-son.. Vamos embora, mi-ni-no!
     Foi com certeza uma manhã de outono bem movimentada! Inda por cima, dou de cara com Dona Pardaloca se empanturrando de farelos de pão que esqueci num pratinho em cima de mesa. Ela me olhou, depois revoou acintosamente a cozinha e área e se foi, não antes de arriscar outra olhadela... 
    ─ Aí, humana! Fui! 
    Será que os anjinhos poderão me decifrar o enigma ou o ê-ni-gui- y-má desta preferência alimentar quase suicida  desses pássaros, aqui entre estes montes, no Vale do Paraibuna?


 * - Crônica da autora, postada em março/2012.
** - referência a bordão usado por Chico Anísio (in memorian)
*** - referência a texto bíblico.
" ¹ - referência a  versos de canção da MPB do poeta de Vinícius de Moraes.
"² - referência a poema-título do livro "O silêncio dentro  do silêncio" de Carlito Filho, morador do bairro Monte Castelo.


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