Então abril veio e a segunda quinzena já vai
passando. O outono também já veio pro Vale do Paraibuna, mas tá de conchavo com
o verão a fim de impedir as fêmeas da espécie humana a dar um upgrade no
guarda-roupa e começar a usar aquelas roupitas de meia-estação,
principalmente...
Num domingão
99% bissexto...
Aí... Nesse dia 99% bissexto, domingão de um outono 99%
bissexto e 1% restos de um verão, que insiste riscar os céus de tardinha
cinzenta, com relâmpagos de tempestade tardia... E isto sem contar as altas
temperaturas, que insistem em impedir que fêmeas da espécie humana iniciem o
ritual de passagem de estação e comecem a guarnecer o guarda-roupa, com aquelas
roupitas e acessórios e perfumes de meia-estação, que só uma outonal dama
conhece!!!
Aliás, não é só ele que permanece nas redondezas, tentando alongar a
estação anterior, ignorando completamente a ordem da natureza. Dona Pardaloca
que o diga! Ao invés de caçar abrigo para filhotes, na estação fria que por
certo virá, a criatura divina fica se empanturrando de migalhas saborosas,
porém venenosas para aves e similares, que ficam em cima da mesa da cozinha,
após o café da manhã!
E tem mais a colônia de joão-de-barro ainda não se
definiu. Cada casal resolveu fazer a portinha da casinha virada para um lado e,
assim naturalistas ficam prejudicados para apontar a direção das chuvas... Isto
tudo e mais um casal de rolinhas que, mesmo sendo apedrejadas por aqueles
menininhos banguelinhas – primos de Pimentinha* – insistem em ir comer as
poucas florzinhas do pé de jabuticaba do vizinho! E Mamãe Sabiá, que se
aborreceu deveras com o filhote, que se aproximou demais de uma arapuca armada
pelo menino da rua debaixo... Deixou o pimpolho de castigo no ninho e tá que
faz um não-sei-o-quê na garagem da vizinha.
Então... Como eu tava falando...
Com você mesmo, caro (a) leitor (a)! Eu
tava lhe falando de um domingão bissexto e outonal, com uma tempestade de verão
à vista!
Pois é... A família estava dividida – não de coração – mas de
ocupação... A filha tava com o namorado, no notebook dela e na mesa de estudos
dela, namorando e ao mesmo tempo tentando terminando mais uma tarefa dura e
árdua da faculdade de arquitetura. O marido tava naquele famoso sofá, motivo de
arenga do casal, onde ele se acomoda, para dormir todas as partidas de
futebol... Sim, caro (a) leitor (a)... Todas! Uma em cada canal, pois ele tem a
arte de cochilar e manobrar o controle remoto ao mesmo tempo, em busca de mais
emoções, que acalentem o final de domingo burocraticamente bissexto. Eu tava
tentando ajudar uma amiga a montar um projeto de preservação do meio-ambiente, pesquisando
umas coisas aí no Google**...
Já
tínhamos tomado o café da tarde e tudo parecia se encaminhar para o rotineiro,
para o costumeiro... Quando um pé-de-vento, destes bem entrão, anunciou aquela
tempestade não sei se tropical, se equatorial ou? ... Quem sabe?... Polar?...
Huummm! Seria uma excelente desculpa para eu vestir um modelito que já customizei
para o inverno... Mas aí...
Então... Aí se deu o apagão! Sem energia elétrica,
sem telefone fixo, celular sem rede e internet nem pensar nem com bateria!
A gente pensou que ia voltar rapidinho, mas
deu 7... Deu 8 e nada! Aí o melhor foi
providenciar um jantar á luz de vela... Em família e em vizinhança, pois fornecemos
velas a vários vizinhos desprevenidos. A amiga que estava tentando fazer
contato com a plataforma - não sideral mas universitária – acabou jantando, e
se arriscou, indo pra casa no escuro mesmo.
─ Cheguei bem! – disse ela na msg***
que enviou.
Ufa! Aí deu 9, 10 ... E nada! Então nos restou a chance de ir pra cama mais
cedo, curtindo “o silêncio dentro do silêncio” *¹ do silêncio do Monte Castelo.
Quem dorme tem que acordar, ainda que o sonho seja daqueles que fazem a gente
ficar com vontade de não voltar à real. E foi assim que acordamos, aqui nesta vertente, no Vale do Paraibuna, de
frente pra real: consumidores lesados durante horas sem comunicação e até hoje
não ficamos sabendo o porquê!...
Mas por falar nisso, que dia é hoje? Isto é uma outra história. Eu
conto depois...
Então, abril vai se acabando... O outono parece que se
deu conta que tava atrasado e deu às caras e pediu pra parar de chamá-lo de
bissexto... E hoje... Mas que dia é hoje? O dia em que gente e bicho adiando as
mudanças inclusive uma certa Dona Pombinha que anda arrulhando nos telhados de
Monte Castelo e adjacências... E o que arrulha Dona Pombinha? Amanhãeuvoou! Mas
se os Maias tiverem um pouco de razão... E se hoje for...
Aquele último domingão 99% bissexto?...I
Eeeeh... Caro (a) Leitor
(a)... E se hoje for o último dia? E se
não houver amanhã? Como é que vai ficar Dona Pombinha e seus seguidores:
─
Amanhãeuvoou!
─ Ora, faça-me um favor, Dona Pombinha... E se não houver amanhã?
E assim com esta indagação, comecei o que bem poderia ser o último domingão 99%
bissexto desta civilização... E fui logo ao mercado Lima, garantir o último
molho de cheiro verde, elemento imprescindível a qualquer último molho de um
franguinho à caçarola...
No caminho, dou de cara com uma senhora que ia
arengando com o marido:
─ Não falei que não se pode deixar nada pra fazer
amanhã...
─ Arre... Para de falar... Eu vou dar um jeito... Amanhã... Eu dou um
jeito...
─ Amanhã... Amanhã... E se não tiver amanhã?
Eeeeh... Caro (a) Leitor (a), o negócio tá
ficando feio! A ameaça maia parece se instalar e grassar, nesta vertente norte do
Vale do Paraibuna...
Apressei meu passo
a fim de não ser testemunha do que bem pode ser a última briga de marido e
mulher, em que a gente não deve meter a colher... E na porta do mercadinho, enfrento
o que poderia ser o último desafio da humanidade. Um novo tipo de esfinge*² do
séc.XXI me propõe um enigma... Qual esfinge? Qual enigma?
Pois é... Eu tava
quase entrando no mercadinho, quando um danadinho de um menino de uns sete
anos... Desses banguelinhas e bem danadinhos, cê sabe, né? Pois esta criança
saltou na minha frente e me propõe a pegadinha do século:
─ Tiaaah... Cê sabe
qual é o dia que nunca chega?...
Ahn... Ahn... Inda bem que tenho uma série de
respostas às pegadinhas de menininhos:
─ Ah... Aaaaaah! Eu sei! É o amanhã!
─ Mas... Por quê??? – indaga, em desafio maior
ainda, o peralta.
─ Huuum!É o amanhã porque quando ele chega já é hoje!!...
─ E
o hoje já é ontem! – completou a criatura divina!
Quando a esfinge-mirim já ia me lançar um outro
enigma talvez mais insolúvel ainda, sua irmã – uma dessas adolescentes que
ficam muito mal humoradas, porque tem sempre que levar o irmãozinho caçula não
importa aonde for – arrastou o guri pro outro lado, onde fica a padaria.
Mas... Ele me deixou numa sinuca de bico... Se
o amanhã é hoje e, hoje já é ontem, em que dia estamos então? Boa pergunta! Mas
isso só respondo depois do depois... Pois o almoço está por fazer...
Então, eu tava lá no mercadinho... Lembra? Eu
tinha passado pela esfinge séc.XXI... Lembra?... Mas tava numa sinuca de bico...
Lembra? Se o amanhã quando chega já é
hoje, e o hoje já é ontem, em que dia estamos então? Será que é...
Aquele
último domingão 99% bissexto?...II
Eu já ia de volta com um mirradinho molho de
cheiro verde, o único que consegui, repaginando o almoço dada a falta desses e
outros ingredientes, avistando de longe a tal “esfingezinha”, quando de súbito
me assalta uma conclusão filosófica, se é que se pode filosofar com um
molhozinho de tempero nas mãos:
─ Então... O amanhã é o dia que nunca chega...
E quando chega já é hoje que, por conseguinte, já é ontem!
Ou seja, há séculos e séculos, somos enganados
e fazemos planos para um dia que afinal nunca existiu e um outro que finge
existir...
Prezado (a) Leitor (a), eis todo o paradoxo da humanidade: somos
animais racionais, únicos capazes de rir, falar, chorar, pensar e de repente, somos surpreendidos arquitetando planos que com certeza não realizaremos porque
amanhã será hoje e hoje já é ontem! E não precisamos nem dos Maias!
Aliás, que
grande mentirosos! 2012 sequer chegou, pois estamos amarrados definitivamente
ao dia de hoje, que pode ser ainda o da Criação...
Eheheh... Ainda bem que eu
tenho a mania de cumprimentar todo o mundo, por isso fui salva de escorregar
pelo abismo da dúvida do niilismo, da sociedade tecnológica em busca do... e blá...blá...blá...Uma vizinha, querida irmãzinha em Cristo, me cumprimentou
alegremente. Então, eu parei de pensar para saudá-la e fomos as duas subindo a rua,
ela falando e eu escutando:
─ Irmã, o pastor da minha igreja pregou forte
sobre a volta de Jesus...
E animada abriu sua Bíblia, com florzinhas douradas
na capa, e me leu o versículo:
─ “Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a
hora!” *³
E me contou a parábola das 10 virgens. Embora eu conhecesse de cor a
parábola e sua lição, fiquei quieta, ouvindo até que ao chegar na esquina da
rua dela, ela se despediu:
─ Paz no Senhor, irmã!
─ Paz no Senhor...
Pois é...
Então... O que era o amanhã ou o hoje ou o ontem ou que é qualquer dia pra quem
tem a Paz do Senhor? Um dia de ser feliz! Entrei em casa cantarolando uma
canção gospel e fui direto pra cozinha, preparar o almoço...
Almoçamos e
descansamos. Uns ouviam música e outros dormiam o futebol, em todos os canais,
é claro! E assim a tarde correu na Paz... E à tardinha, o céu cinzento anunciou
a mudança de tempo... Eh... Se não
chover hoje, chove amanhã...
─ Mas se não houver amanhã?
Em responsos a essa
magna indagação de uma cidadã do séc. XX sobrevivendo ao séc. XXI e à ameaça maia,
Dona Pombinha arrulhou o seu "amanhã eu vou”... E um vizinho cantarolou um
verso de Renato – que Deus o tenha – um dos meus preferidos:
─ “É preciso amar as pessoas como se não
houvesse amanhã...” #
Então... Se não
sabemos se é hoje, ontem ou amanhã... Se não sabemos nem o dia nem a hora!... Que viva la vida e o amor!!!
Aí a noite veio e com ela o silêncio dentro do silêncio*¹, aqui nesta vertente
norte do vale do Paraibuna. Amanhã é 2ª
feira e vai começar tudo outra vez... Mas... E se não houver amanhã? Ah! A gente
pensa nisto depois do depois... ???
*- Referência à personagem de HQ infantil e
filme americano
**- Site da internet para pesquisa e acesso a blogs e às redes
sociais;
*** Msg – mensagem virtual;
*¹ - Referência a poema e livro de Carlito
Filho, morador do Monte Castelo em JF;
*2 – Referência a esfinge, criatura
mística usualmente tida como um leão estendido — animal com associações solares
sacras, da cultura egípcia que depois aparece na mitologia grega que propõe
enigmas – Decifra-me ou devoro-te;
*³ -
Mateus 25:13;
# – Referência a verso da
música do Legião Urbana – Pais e Filhos.
Izabel Cristina Dutra, escrito em JF/MG, entre 16 e 23/04/2012.
Estou amando as leituras!
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