sábado, 9 de maio de 2015

Chronos& Crônicas em revista

Aí... era o 5° dia útil, não sei mais pra quem, porque era daqueles dias que Juiz de Fora e adjacências e microrregião (quer dizer micro é modo dizer, porque segundo um professor colega meu diz que  chega a de 180 municípios...).  Tudo e todos vem para o coração da cidade – o  Calçadão! – para  consultar, receber e pagar, comprar e vender e dar e sofrer golpes... e zuretar!!! Pois é ... Num dia como esse dia, eu não tava lá mas ela tava! E me contou:

As mães da menina & a menina da mães

     Eu não tava lá... mas ela tava... Ela? Ah... uma senhorinha da cabeça branquinha, franzininha, que tava no mesmo  coletivo do busão que ... Ela mora no Morro da Glória... Acho neh... E se chama Vitória...Acho neh...  Ela também puxa conversa e, debate com os passantes, ficantes, com motorista e com trocador, que nem eu!!!      
     Pois é... Ela me contou... Quer dizer, ela contou pra a gente, que gosta de ficar assuntando no busão. Sabe naquele  lugar onde,  naqueles dias úteis ou inúteis,  o rio de gente do Calçadão deságua no mar de gente da Avenida do Barão, provoca uma pororoca e depois inunda o Parque, o  do dr. Halfeld? 
     Pois é... Foi num dia como estes que ela salvou da morte certa  a mãe e a menina da mãe. Essas, eu  cá nunca vi, mas sempre conheci... 
     A mãe, seca e magra,  com a castigada pele negra ressecada, a alma fustigada e, os cabelos crespos despenteados e assustados... 
     A menina, sequinha e magrinha, com a aveludada pela negra e as trancinhas crespas bem cuidadas, presas com tererês coloridos, que eu acho lindos,  não sei você... 
     Pois é... Elas vendem coisas no sinal, no ponto de ônibus, na fila de banco...Aí ... Enquanto, Dona Vitória  me contava com tantas cores, tantos sons...  Um filme passou em meus olhos... E eu que não tava lá. acabei estando e presenciando... Tudo e com detalhe.... 
     A mãe e a menina tavam atravessando a avenida do Barão, fugindo do rapa  do Calçadão... Iam se esconder no Parque, na sua multidão... De cores, de sons, de luzes e , de gentes... Mas o sinal abriu... A mãe atravessou, mas a menina ficou... 
     E a mãe chamava em vão e, a menina não sabia tomar  decisão...  
    A senhorinha, Dona Vitória gritava: 
    ─ Num chama não! Deixa o sinal fechar! 
   Mas a mãe não pensava ... Estava desarvorada, de corpo e alma... Só via o rapa chegar... E a morte rondava iminente, pois  os carros da avenida nunca vê a gente!!!  Só o sinal e olhe láh!!! E nada dele fechar!!! Acho que estava enguiçadoh!!!!Foi então que a senhorinha gritou: 
      ─Valha me Deus e envia os anjos teus! 
    E Deus enviou.. Uns moços do sinal fechado... Aqueles  dos  malabares de fogo!... Tomaram de assalto, a faixa quente do asfalto... E fizeram carro frear, moto voltear e coletivo se sacolejar, malabareando a Vida... 
   No tempo certo da senhorinha abraçar a menina, tão franzininha quanto ela e, atravessar pra a faixa segura do lado de lá... 
   Eu não tava lá mas acabei estando e, abraçando e sentido a mãozinha trêmula, meu olhar se encontrando com aquelas duas jabuticabas brilhantes... E  me apertando naquele  abraço gostoso, no final da aventura...  
    Eu não tava lá mas ela tava e me contou... Naquele 5º  dia, hipermega útil, mãe, menina, senhorinha se salvaram... Ela me contou e desceu ali no Morro da Glória...  Acho que ela mora ali!!! Ela desceu e se foi dando tchauzinho pra mim, o motorista e o trocador... 
     Tchauzinho , D. Vitória, mãe de improviso, mensageira do Deus Salvador!

 Agora eu  tava lá... Tava vendo A TV! Aguardando o jornal e você? Eu tava, vi  e ouvi, a Fátima noticiar que foram presas as mães das meninas. Você não viu ou ouviu ou nem quer vê? Eu tava lá, vi e ouvi e agora vou falar ...

    Das  Outras Mães Daquelas Outras Meninas

        Pois  é...Agora eu  tava lá...  Quer dizer tava lah porque tava vendo A TV! Vendo o o jornal e você? Eu tava, vi  e ouvi, a Fátima* noticiar que foram presas as mães das meninas.  
       Ela noticiou naquele tom  de profissa da notícia, mas seus olhos estavam chispando de indignação, com vontade de pegar não sei quem e botar castigo... E eu também!!! Quer dizer, ouvi e vi a notícia assim!
     Você não viu ou ouviu ou nem quer vê, neh?!... E tem raiva de quem viu, neh?!  
     Mas eu tava lá, vi e ouvi e agora vou falar ...Foi em Sampa! Presas as mães das meninas da gangue!  Mães de  pele e alma fustigadas pelo o que é injusto!!! Acabam por fustigar alma e pele de suas meninas!!! Desarvoradas!!! E acabam por desarvorar suas meninas!!! 
      Eu vi! Foi em Sampa mais podia ser aqui! Sabe igual aquela... Ela... A  menina da mãe que foi salva pela senhorinha, Dona Vitória?! 
    Pois é... aqui também tem... Só que elas às vezes já estão tão ressecadas e mais desarvoradas que suas mães... Repare bem... 
     Mães de meninas e meninas com a vida quase perdida!!!Tem umas que já tem neném... Umas vendem bala, outras carregam a bolsa e a mala... Umas vendem  o corpo. Outras vendem até a alma... 
     É... As outras mães daquelas meninas   foram presas... Lá em Sampa, isto foi uma surpresa! Mas aqui também tem e  tão bem  soltinhas, voando e...  algumas estão roubando e, dando pra filha carregar... É. Dona Vitória, tem muita menina e  muita mãe  para se salvar... Meninas fora da escola, vagando no coração da cidade... Talvez nem cheguem à sua mocidade! 
     Umas vendem sua inocência  pra gente que sente nojo e, até indiferença.  Com umas roupas, igual àquelas que faziam minha vó  falar ,com os olhos chispando de indignação, com vontade de pegar não sei quem e botar de castigo:
        ─ Que roupa é essa, gente?!... Isso lá modo de vestir meninah?! Menina tem que se vestir de me-ni-nah!!!
       Éh, gente... Eh, Dona Vitória... Eh, Fátima*, tem muita  mãe e menina pra  se salvar...
      Aqui também tem!  Menina e mãe fugindo do rapa , no Calçadão... Meninas pedindo trocado e mães  pedindo pão!! Ainda não vivem em gangues e nem turmas elas têm...  Mas tem gente para sustentar  e outras já tem neném... 
     Outras meninas e outras mães de meninas...Quantos anos elas têm? Quantos tinham  aquelas outras meninas, aquelas presas em Sampa?  E as mães? Poucos  mas   perderam  tempo às pampas... E vidas, quantas elas têm... Têm tantas que  não valem um vintém ....   
         Pois eh... Neh, Dona Vitória?! Neh, Fátima?! A  gente, que sente no fundo do coração,  ora pela sua salvação... Mas além  disso,  e  a gente deve gritar e  denunciar!! E mais muito mais! Além de educar e salvar meninas, precisamos r-eeducar e salvar mães, para  que  esta cidade, este país, este mundo possam  se  transformar no nosso melhor lugar. E a gente poder comemorar nesses próximos  Dias das Mães, sem tem que nos assustar!!!

*Referência a Fátima Bernardes, que na época era âncora do Jornal Nacional, da Rede Globo.

 Izabel Cristina Dutra – escrito em JF/MG, em novembro de 2010 e reescrito maio de 2015.

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