terça-feira, 4 de outubro de 2011

No Vale do Paraibuna!...

 I

        Aí... Então é setembro e aqui nada de chover aquela chuva boa de primavera, para refrescar ruas, prédios e almas.... Eu tive que levantar e sair cedo de casa... O sabiá  e sua corte trinou os mais belos hinos de encorajamento... E eu precisava mesmo! Eu tava lá indo para mais uma maratona de uma repartição pública para outra, a fim de resolver um desses pepinos que qualquer cidadão (ã) tem que resolver. Aí ...Então... 
      Depois, eu  vou  descendo o Calçadão e vou me misturando ao rio de gente que vai desaguar no delta de todos os rios desta cidade: no Antigo Centro Histórico desta cidade-vale – no largo, na Praça da Estação!... Eu tava lá e eles também tavam:  as garis mais elegantes do pedaço( uma tava de bonezinho rosa combinando com delicado par de brincos); um andarilho nervoso tentando acertar pombos assanhados por causa de um pouco pipoca na calçada; uma mãe arrastando criança atrasada para escola; um casal de velhinhos namorando numa boa; e vendedores ou entregadores de papéis cercando o povo na cancela! 
   Inda bem que não vinha trem e pudemos rápido atravessar  a Avenida, que antes era marginal  mas agora é bem Brasil. Aí dou de cara com aquela ponte de onde um dia lancei parte de mim no Paraibuna, que surgiu neste instante moroso ... 
   “Pobre Rio de águas escuras: arrastas as cargas alheias e ainda tens que lavar almas que teimam lançar-se em suas poluídas mas Sagradas Águas!”*¹ . O verso me vem a memória, com força do primeiro momento,  porém não tenho tempo siquer de suspirar  pois a multidão me arrastou ponte abaixo e me atirou para além do sinal de não sei quantos tempos, onde eu sempre me confundo... 
   Com certeza, éramos a mesma “plebe ignara e rude” *¹porém não tivemos tempo de vagabundear... Então me vi diante de uma  outra repartição pública, que  ainda não voltara do almoço... Com certeza, hoje não era o  lado “mais laborioso da urbes”*¹ pois carros e pessoas agora passavam vagarosamente... Aí... Então... O jeito era esperar...
II  
   Lembra?... Eu já tinha sido arrastada  ponte  abaixo pelo rio de gente... Eu não tive nem tempo de nem de me lavar nem de  suspirar no Paraibuna, e já estava diante de outra repartição para resolver aqueles blá...blá... e blá... E o jeito era esperar... Aí... Então fui comprar uma garrafa de água na única lanchonete do pedaço.Aí compro, aí começo a beber e aí não resisto ao que minha filha chama de mania de conversar com todo mundo... Aí tô que bebo água  e tô  que converso com Marley ou Marlei, a dona e balconista de plantão. E descubro o quê? Que ela é escritora de caderno em espiral ... 
     E me mostra seus escritos, falando de seus sentimentos... Aí chega uma moça, que está fazendo um curso de recepcionista, compra um quibe e vai embora... A gente mudou o rumo da prosa, falamos da vida em geral... 
    E aí chega um rapaz, desses que vem do Nordeste vendendo cadeiras, redes e colchas... Ele conversou um pouquinho. ofereceu a mercadoria e foi embora... Era bonito o rapaz e conhecido dela..Mudamos da prosa, de novo! Falamos mais especificamente de amor, das relações amorosas do passado e do presente... Falamos mais do ato de escrever, de derramar o coração e eu sugeri que ela lesse outros escritos de outras pessoas... Ela gostou da idéia porque queria escrever cada vez mais e melhor...  
    Era a minha hora de ir... Deixei um cartão... E nos despedimos como velhas amigas. Prometi voltar e ela prometeu fazer contato.  E  lá vou eu para mais uma repartição, para descobrir que não era ali que ia enfim digerir o pepino!  Aí então tenho que refazer o caminho, de volta... 
    Atravesso o sinal de não sei quantos tempos, onde sempre me confundo, alcanço a ponte e, de novo estou às margens de Paray-una...*¹ Vejo, quase à flor d’água, um ramo de sempre-vivas, amarelinhas, fraquinhas mas resistindo à avalanche de restos de lanche, sacolas plásticas, pedaços de jeans e toda a espécie de lixo que ainda insistem em lançar ao pobre rio... Alguns ficam rolando e atestando o descaso público... 
     “Perdoa, Paray-una” ! *¹  Deixa-nos lavar e “dá-nos a pureza de tuas Sagradas Águas (inda que poluídas) para que a gente possa suspirar e atravessar o resto incerto dessas pontes a tempo de... te salvaaaar!” *¹ 
     Aí, escuto mais do que eu esperava: trinados de sabiá, chilreios de cambaxirra e sinfonia de pardais*² me apoiando e me incitando a alguma manifestação pública! 
     Porém,  naquela hora o que pude fazer foi atravessar a cancela antes que viesse o trem, e eu me atrasasse para mais uma idinha  até a próxima repartição pública, onde eu poderia dar um jeito naquele pepino... Serah?!


*¹ Referências a versos do poema “Nas Sagradas Águas de Paray-una”, do livro “Das Almas De Minas”
*² Referências a verso da canção sertaneja de Roberta Miranda.
Izabel Cristina Dutra escrito em  JF,16/09/2011






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