segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A princesa descalça...

Aí era mais um dia-a-dia após o outro...  Era o último dia útil: dia de enfrentar fila para receber pouco e pagar muito... Eu tava lá mas havia muito mais gente e havia..
     Aí a gente tava lá... Muita gente, eu juro... todo mundo com muito a pagar e todo mundo completamente duro. Éramos uns 90... 100... 106! 107, contando nós e mais ela!  Não se mulher feita ou pobre donzela... 
      Mas  a gente tava lá na fila... E ela também, só que fora dela...Sentada, esparramada, de mala e cuia! Bem no meio da escada... Num chique antigo e amarrotado, o jovem rosto enrugado, pelas tormentas da vida... Os cabelos encaracolados, ruivos ... castanhos... de roxo pintados... E os pés, com unhas feitas não retocadas,  sujos e descalços...um princesa descomposta, na escadaria do paço.. A gente tava lá  e ela também... 
     A  gente esperava e ela  cantava num inglês que a gente no understand e num portunhol que ustedes não compriendes nem  nois outros... que távamos na fila, enrolada, bagunçada, muito além da escada e já beira da calçada...
     E ela,  arrumava e desarrumava suas tralhas e cantava...Não agradava nem a gregos nem a troianos.., E nois outros que nem ao menos éramos  romanos, até que  curtia aquela elegia desatada ao amor desatinado no canto desafinado... mas a gente tinha a vida, tinha a fila pra levar e contas pra fechar: 
    ─ Em pensar que a família dessa menina tem muito dinheiro, falou lá, de trás, o engenheiro.       
   ─ Essa juventude estragada e drogada! – sentenciou  a fiscal aposentada, que se espremia no rabo da fila, lááá na calçada.
     Já ia se formar o tribunal  que julga o anormal, quando chegaram os seguranças e começou uma estranha dança:   ia pra frente e  ia pra trás gente grande e criança, enquanto a chique descalça era desalojada sob o protesto da platéia desarranjada: 
     ─ Chama a polícia, grita um tal de Ari!
     ─ Chama a família que mora perto daqui, informa o gari.
     ─ Leva pro albergue, determina o Dr.Jorge!  Leva não leva,chama não chama e a trouxa se esparrama deixando a mostra uns restos de vida da menestrel ferida: livros, retratos e uma faixa: Princesa Simpatia – era o escrito que havia.
     ─Vaza...vaza! gritava um guarda municipal apoiado pela geral ... 
     E ela vazou, em direção ao Parque,  e lá se foi a cantar, num inglês que a gente no understand e num portunhol que ustedes non compriendes mais que nois outros  que lá estava e lá ficava, afinal curtia e sabia que era uma estranha elegia a um amor desatinado, em agonia... 
                   Izabel Cristina Dutra, escrito em  julho de  JF/2011

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