Aí era mais um dia-a-dia após o outro... Era o último dia útil: dia de enfrentar fila para receber pouco e pagar muito... Eu tava lá mas havia muito mais gente e havia..
Aí a gente tava lá... Muita gente, eu juro... todo mundo com muito a pagar e todo mundo completamente duro. Éramos uns 90... 100... 106! 107, contando nós e mais ela! Não se mulher feita ou pobre donzela...
Mas a gente tava lá na fila... E ela também, só que fora dela...Sentada, esparramada, de mala e cuia! Bem no meio da escada... Num chique antigo e amarrotado, o jovem rosto enrugado, pelas tormentas da vida... Os cabelos encaracolados, ruivos ... castanhos... de roxo pintados... E os pés, com unhas feitas não retocadas, sujos e descalços...um princesa descomposta, na escadaria do paço.. A gente tava lá e ela também...
A gente esperava e ela cantava num inglês que a gente no understand e num portunhol que ustedes não compriendes nem nois outros... que távamos na fila, enrolada, bagunçada, muito além da escada e já beira da calçada...
E ela, arrumava e desarrumava suas tralhas e cantava...Não agradava nem a gregos nem a troianos.., E nois outros que nem ao menos éramos romanos, até que curtia aquela elegia desatada ao amor desatinado no canto desafinado... mas a gente tinha a vida, tinha a fila pra levar e contas pra fechar:
─ Em pensar que a família dessa menina tem muito dinheiro, falou lá, de trás, o engenheiro.
─ Essa juventude estragada e drogada! – sentenciou a fiscal aposentada, que se espremia no rabo da fila, lááá na calçada.
Já ia se formar o tribunal que julga o anormal, quando chegaram os seguranças e começou uma estranha dança: ia pra frente e ia pra trás gente grande e criança, enquanto a chique descalça era desalojada sob o protesto da platéia desarranjada:
─ Chama a polícia, grita um tal de Ari!
─ Chama a família que mora perto daqui, informa o gari.
─ Leva pro albergue, determina o Dr.Jorge! Leva não leva,chama não chama e a trouxa se esparrama deixando a mostra uns restos de vida da menestrel ferida: livros, retratos e uma faixa: Princesa Simpatia – era o escrito que havia.
─Vaza...vaza! gritava um guarda municipal apoiado pela geral ...
E ela vazou, em direção ao Parque, e lá se foi a cantar, num inglês que a gente no understand e num portunhol que ustedes non compriendes mais que nois outros que lá estava e lá ficava, afinal curtia e sabia que era uma estranha elegia a um amor desatinado, em agonia...
Izabel Cristina Dutra, escrito em julho de JF/2011
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