sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

No Largo do Riachuelo

E... Aí chegou 2012! Festa para uns, luto para outros e nem tanto para muitos, não é mesmo? Então... Este nem tanto é o que ainda vagava pelas ruas, hoje... Nos bancos, nos consultórios, nas lojas... Eu tava lá e Ela também... Ela?  Lá? 
                                            No Largo do Riachuelo I   
     ─ Então... 2012 chegou, não é mesmo?  Parece que vai ser um ano bom, não é mesmo? Tem gente que tá até anunciando o fim do mundo! Essa é boa... Só Deus sabe a hora, não é mesmo? Vai ser com certeza um ano produtivo!...
     Não, caro leitor, eu não tou falando com você... Quer dizer, eu tou falando agora mas antes eu tava lá, conversando com ela... 
     Quer dizer, eu falando e ela escutando ou fingindo que me escutava... E eu lá... Toda eufórica pelas boas novas que recebi no último dia do ano. Finalmente, a publicação do meu primeiro livro... Um sonho cada vez mais real... Desde este dia, eu estou a toda, tentando passar pra todos a minha alegria e cumprindo a frase profética de minha filha: 
    ─ Agora é que ela vai desejar Feliz Ano Novo até pro mosquitinho!  
    ─ Menos pro mosquitinho da dengue, é claro!
     E eu estava lá e ela também... Lá? No Largo do Riachuelo, aonde a Avenida do Barão se encontra com Rua dos Democratas, parente dos Bonifácios... Aonde tem a praça e o Condomínio dos Pracinhas, onde uma considerável parte da realeza e da população de rua pernoita... E de lá saem, logo que raia o dia, pra cavar o tal pão que o coisa e tal amassou...   Lá... perto da cabine dos meg... Quer dizer, da cabine dos Srs. Policiais. E também do escritório de consultoria mais informal e popular deste vale do Paraibuna... Bem em frente à Fábrica, que virou shopping.
    Eu tava lá e ela também tava... Ela? Uma senhora de cabelo prata e luzes lilases!... Não! Não era nenhuma residente do condomínio!... Aliás, eles já estavam longe dali, talvez no depósito de lixo de um supermercado... 
    Ela? Bem vestida, toda trabalhada nas combinações de cabelo, bolsa, maquiagem e sapatos... Tinha um jeito de ter acabado de receber sua aposentadoria mais a pensão do falecido... Tinha jeito de viúva, mas não demonstrava nem festa nem luto... Era representante daquilo com que me retrucou a única frase que escutou, de fato: 
     ─ Vai ser com certeza um ano produtivo!
     ─Nem tanto! – disse, abrindo um bombom e jogando na boca, limpando os cantinhos, com aquele ladinho laminado. 
     Depois pegou uns restos de caixa de bombom e lançou fora... Na grama!... E lançou como se fosse uns restos de ração pra cachorro catar e lamber... E se foi, fazendo sinal pro 1º taxi... Mas quem catou, e lambeu e devorou foi um remanescente dos moradores do Condomínio dos Pracinhas... Ele fez aquilo com tanta alegria que diluiu minha indignação daquele gesto insustentável daquela Sra. Nem Tanto! E acabei por me envolver na euforia na totalmente festa ainda de Ano Novo, quando Ele, depois de catar e lamber e devorar todo o sabor dos restos de caixa de bombom, gritou pra mim:
      ─ Feliz 2012! Feliz todos os anos! 
      ─ Sim, querido amigo das primeiras horas! Feliz 2012! Feliz todos os Anos Nossos!!!

E... Aí chegou 2012! Lembra? Festa para uns, luto para outros e nem tanto para muitos? Lembra? Então... Este nem tanto é o que ainda vagava pelas ruas, naquele dia! Lembra? Eu tava lá e Ele Também!  Lá? ... 

No Largo do Riachuelo II  
     Sim! Eu e ele estávamos lá... Ela não tava mais não, porque tinha lançado uns restos de caixa de bombom e tinha se mandado no 1º taxi que apareceu!Lembra? 
    Mas gente tava! Eu, que estava desejando feliz ano novo, ainda... pra todos, menos pro mosquitinho da dengue... Ela? A Sra. Nem tanto! Ele? O senhor que catou, lambeu e devorou os restos de caixa de bombom e desejou um feliz 2012, apesar de tudo e com tudo que temos direito! 
    Ele? Lembra? O Sr. Festa da Vida e das Ruas! Que importa se este é o Ano do Fim do Mundo! Ou o Ano do Desenvolvimento com Sustentabilidade! Ou ainda, o Ano em que os EUA e a Europa vão ter que reinventar a sua relação com os tigres asiáticos, os leões africanos e os felinos latino-americanos, inclusive as onças brazucas! O mundo tem dado tantas voltas, mas Ele continua ali... 
    Ele? O mesmo que reina e sobrevive nas ruas desde 1992, quando enfim retornei à terra natal, e não vi mais a Capela do Stella Matutina, nem o casarão dos Salomão, nem o Jardim de Infância Mariano Procópio, onde aprendi as primeiras letras... E nem a Fábrica, que virou shopping!  A única pessoa que sobrou... Os únicos sinais da velha JF, que restaram naquele Largo, do meu passado... Ele e suas cargas, que ao menos agora são recicláveis!  O Homem do Saco Cinza! 
    Foram tantas mudanças naquela paisagem urbana! Foram tantas ações sociais, desde que parti daqui e deixei os que antigamente moravam naquela praça... Mas ele continuava lá! Pra falar a verdade, não sei e é o mesmo cidadão, mas sei que é a mesma situação! Não tem casa, não sabe da família, mas não tem raiva de quem sabe! Apenas permanece ali, símbolo das injustiças e das desigualdades que nos assolam há anos, décadas... Há séculos! Ele, que em pleno Séc. XXI, não sabe nem o dia e nem a hora em que nasceu! 
   Ele veio me arrancar da cinza sensação de que apenas mais um ano começou, e desmanchar um gosto amargo de bombom estragado, que me travaram a boca e o coração, desde quando aquela Sra. Nem Tanto se foi! 
   Hasta La vista, baby! E Viva La Vida neste e nos próximos Anos Nossos! Pra mim e pra vc.! Pros meus, pros seus e pros nossos... 
    Ah!... Para aquele outro Ele também... Ele! O Moço dos 2 Sacos Cinza... Ele também passa lá e, às vezes está e outras nem tanto!!! Mas isto é uma história. Depois eu conto...
Izabel Cristina Dutra, made in JF entre 02 e 06/01/2012.